Zootecnia Tropical > Sumario de la Colección > Volumen 21

Zootecnia Trop., 21(4):383-398. 2003


Avaliação do farelo de algodão na alimentação de alevinos de tilápia do Nilo 
(Oreochromis niloticus L.)

Sandra Regina de Souza1 e Carmino Hayashi

1 Universidade Estadual de Maringá
Departamento de Biologia
Av. Colombo, 5790 – CEP. 87020-900
Maringá, Paraná. Brasil


RESUMO

O experimento foi conduzido com o objetivo de avaliar o desempenho dos alevinos de tilápia do Nilo submetidas a diferentes níveis de inclusão do farelo de algodão (FA) (00; 20; 40; 60 e 80%) com correção de fibra e aminoácidos. O experimento foi realizado no Laboratório de Aquicultura da Universidade Estadual de Maringá, utilizando-se 250 alevinos, com peso médio inicial de 0,35 ± 0,07g, comprimento inicial médio de 2,95 ± 0,20cm e idade aproximada de 35 dias, distribuídos em 25 tanques de 250L, num delineamento inteiramente casualizado com cinco tratamentos e cinco repetições. As variáveis avaliadas foram ganhas de peso (GP), conversão alimentar (CA), taxa de eficiência protéica (TEP), sobrevivência (SO), índice hepato-somático (IHS), fator de condição (FC), percentagem de proteína na carcaça (PC) e percentagem de gordura na carcaça (GC). O GP e a TEP apresentaram redução linear na medida em que o FA foi incluído nas rações, porém não houve diferença significativa entre o tratamento controle e os com 20 e 40% de inclusão. A CA e o IHS apresentaram aumento linear, e também não houve diferença significativa entre o tratamento controle e os com 20 e 40% de inclusão. A SO, MS, PC, GC e FC não apresentaram diferenças (P>0,05) significativas entre os diferentes tratamentos. Conclui-se que quando a dieta é suplementada com aminoácidos sintéticos é possível utilizar até 40% de inclusão de FA sem alterar de forma significativa o desempenho dos animais nesta fase de desenvolvimento.

Palavras-chave: desempenho, farelo de algodão, Oreochromis niloticus, tilápia do Nilo.

INTRODUCCIÓN

A tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus) está entre as espécies mais cultivadas no mundo e se destaca pela rusticidade e rápido crescimento em cultivo intensivo, pelo excelente sabor de sua carne e ausência de espinhos em "Y" (Tacon, 1993; Hildsorf, 1995). O processo de filetagem realizado pelas indústrias proporciona ótima aceitação pelo mercado consumidor o que a torna uma espécie de grande interesse para a piscicultura (Borghetti e Ostrenski, 1998).

De hábito alimentar onívoro, a tilápia do Nilo aceita ração com grande facilidade desde o período larval (Meurer et al., 2002). Utiliza eficientemente os carboidratos da dieta (Shiau, 1997; Boscolo et al., 2002). Apresenta alta rusticidade e crescimento rápido em vários sistemas de cultivos (Hayashi et al., 1999).

O farelo de algodão é um produto resultante da extração do óleo das sementes de algodão (Gossypium sp); apresenta-se como uma fonte protéica de boa qualidade e baixo custo disponível para a alimentação animal. Apresenta cerca de 40% de proteínas digestíveis, mas também possui elevado teor de fibra, em torno de 10%. Seu conteúdo em aminoácidos essenciais é satisfatório, exceto em lisina. (Andriguetto et al., 1982).

Como fator antinutricional o farelo de algodão contém gossipol, potente toxina que forma complexos estáveis com cátions podendo produzir anemia (Abou-Donia et al., 1970), uma vez que interfere nos processos bioquímicos e inibe a atividade de várias enzimas (Beaudoin, 1985).

Níveis de gossipol acima de 0,1% na ração podem causar perda de apetite, redução no crescimento e aumento no depósito de lipídios no fígado e prejudicar o desempenho reprodutivo dos peixes (Kubitza, 1997). Dabrowski et al. (2000) trabalharam com dietas contendo 0, 25, 50, 75 e 100% de substituição da farinha de peixe pelo farelo de algodão para truta arco-iris (Oncorhynchus mykiss) adultos, durante o período de reversão e observaram diferença significativa nas concentrações totais do gossipol no plasma de sangue.

A fim de obter dietas mais econômicas, o farelo de algodão tem sido utilizado como fonte protéica sucedânea, em rações para peixes tropicais. Vários criadores vêm empregando a semente de algodão na formulação de dietas, embora as conseqüências desta prática não estejam ainda bem definidas (Salaro et al., 1999).

Em níveis mais altos que para os demais monogástricos, na piscicultura o uso do farelo de algodão também é limitado, onde: Oiolli et al. (1992) trabalhando com tilápia do Nilo, limitaram o uso do farelo de algodão em 33% de inclusão. Barros et al. (1995) limitaram o emprego do farelo de algodão em níveis de substituição da farinha de peixe em até 24% da dieta inicial para carpa comum (Cyprinus carpio). Salaro et al. (1999) trabalharam com reprodutores de tilápia do Nilo e concluíram que o gossipol influi na fisiologia reprodutiva destes, mas não influenciou o comportamento da corte e a nidificação da espécie; Mbahinzireki et al. (2000) concluíram que o farelo de algodão pode substituir parcialmente a farinha de peixe, como principal fonte de proteína na alimentação de tilápias, em não mais que 50%, e que o gossipol presente no farelo de algodão, foi identificado como o principal fator limitante para a aceitação e a utilização deste nas dietas para tilápia do Nilo.

O objetivo do presente experimento foi avaliar o desempenho de alevinos de tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus L.), submetidos a diferentes níveis de inclusão do farelo de algodão com a correção de fibra e aminoácidos.

MATERIALES E MÉTODOS

O experimento foi realizado no Laboratório de Aqüicultura do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Maringá por um período de 42 dias, durante os meses de março a abril de 2001.

Foram utilizados 250 alevinos de tilápia do Nilo da linhagem tailandesa, revertidos sexualmente, com peso inicial médio de 0,35 ± 0,07g, comprimento inicial médio de 2,95 ± 0,20 cm e idade aproximada de 35 dias, distribuídos em um delineamento inteiramente casualizado com cinco tratamentos e cinco repetições, em 25 tanques com capacidade para 250 L, sendo considerada unidade experimental um tanque com 10 alevinos.

O sistema de entrada e saída da água era individual, com renovação diária de cerca de 30% do volume total por dia; os tanques foram equipados com sistema de aeração constante e aquecedores individuais de 100W.

Os parâmetros físico-químicos da água, pH, condutividade elétrica (m S/cm) e oxigênio dissolvido (mg/L) foram medidos semanalmente, enquanto a temperatura (ºC) foi monitorada diariamente às 8h 30 min e 17h 00.

Foram elaboradas cinco rações com níveis de inclusão de 00; 20; 40; 60 e 80% de farelo de algodão, até a substituição total do farelo de soja (Tabela 1). As rações foram formuladas de acordo com a recomendação do NRC (1993) (Tabela 2) de maneira a serem isoprotéicas, isoenergéticas, isofosfóricas, isocálcicas, isofibrosas (pela adição de celulose) e isoaminoacídicas para lisina e metionina + cistina (pela adição destes aminoácidos sintéticos).

Para a preparação das rações experimentais os alimentos foram moídos individualmente em um moinho tipo faca com peneira de 0,5mm (Hayashi et al., 1999), foram misturados e umedecidos com água a 50oC para peletização, em seguida foram secos em estufa a 55ºC por 12 horas. Para o fornecimento, os "pelets" foram desintegrados e separados em peneiras de diferentes malhas para melhor se adaptarem ao tamanho da boca dos animais.

O arraçoamento foi realizado três vezes ao dia (8h30min, 13h 30min e 17h 30min), na proporção de 10% do peso vivo. O fornecimento de ração foi corrigido diariamente através de um acréscimo de 5% do peso da ração fornecida no dia anterior. Semanalmente, todos os indivíduos de cada unidade experimental foram pesados para aferir a quantidade de ração fornecida. Diariamente, antes da primeira alimentação, os tanques foram sifonados para a retirada das excretas e das sobras de alimentos. Na quinzena final do experimento, a sifonagem também foi feita, à tarde, antes da última alimentação.

Tabela 1. Composição percentual das rações experimentais com diferentes níveis de inclusão do farelo de algodão, com a correção de fibra e aminoácidos, utilizadas para alevinos de tilápia do Nilo (matéria natural)1


Alimentos (%)

Níveis de inclusão de farelo de algodão (%)


0

20

40

60

80


Farelo de algodão

0,00

20,00

40,00

60,00

78,37

Milho

9,60

11,03

12,45

13,88

15,19

Farelo de soja

69,47

51,74

34,01

16,28

0,00

Óleo de soja

6,89

5,51

4,14

2,76

1,50

Celulosa

9,81

7,42

5,02

2,63

0,43

Calcário calcítico

0,91

1,29

1,65

2,03

2,37

Fosfato bicálcico

2,21

1,70

1,19

0,68

0,21

DL-metionina

0,08

0,06

0,04

0,02

0,00

L-Lisina

0,00

0,23

0,47

0,70

0,92

Antioxidante (BHT))

0,02

0,02

0,02

0,02

0,02

Suplemento min.vit.2

0,50

0,50

0,50

0,50

0,50

Sal comum

0,50

0,50

0,50

0,50

0,50


Total

100,00

100,00

100,00

100,00

100,00


1 Baseado nos valores de composição dos alimentos calcário e fosfato bicálcico (Rostagno et al., 1994); farelo de algodão, milho e farelo de soja (LANA-DZO/UEM).

2 Níveis de garantia por quilograma do produto (Supremais): Vit. A, 1.200.000 UI; Vit. D3, 200.000UI; Vit. E, 12.000mg; Vit. K3, 2.400mg; Vit. B1, 4.800mg; Vit. B2, 4.800mg; Vit. B6, 4.000mg; Vit. B12, 4.800mg; Ác. Fólico, 1.200mg; Pantotenato Ca, 12.000mg; Vit. C, 48.000mg; Biotina, 48mg; Colina, 65.000mg; Niacina, 24.000mg; Ferro, 10.000mg; Cobre, 6.000mg; Manganês, 4.000mg; Zinco, 6.000mg; Iodo, 20mg; Cobalto, 2mg; Selênio, 20mg

Ao final do período experimental, foram efetuadas as medidas individuais de peso e comprimento total dos peixes de cada unidade experimental. As variáveis avaliadas foram ganho de peso, conversão alimentar aparente, taxa de eficiência protéica, sobrevivência, índice hepato-somático, fator de condição, matéria seca, percentagem de proteína e gordura na carcaça.

Tabela 2. Composição química das rações experimentais com diferentes níveis de inclusão do farelo de algodão, com a correção de fibra e aminoácidos, utilizadas para alevinos de tilápia do Nilo



Nutrientes (%)

Valores calculados


0 20 40 60 80

Energia digestível2 (kcal/kg)

2.999,99 2.999,99 3.000,03 3.000,04 2.999,97
Proteína digestível3

30,00

30,00 30,00 30,00 30,00
Fibra bruta 11,20 11,20 11,20 11,20 11,20
Extrato etéreo 8,92 7,72 6,53 5,33 4,23
Fósforo disponível 0,80 0,80 0,80 0,80 0,80
Cálcio 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00
Ácido Linoléico 4,40 3,66 2,91 2,17 1,49
Lisina 2,02 2,02 2,02 2,02 2,02
Metionina + Cistina 1,15 1,15 1,15 1,15 1,15

Gossipol (%) 0,00 0,0011 0,0021 0,0032 0,0043

1 Exigência nutricional baseada no NRC(1993).
2
Baseado nos valores de energia digestível para tilápia do Nilo propostos para milho: 3.037,63 kcal/kg; para farelo de soja: 3.057,63 kcal/kg; para o óleo de soja: 8.485,28 kcal/kg (Boscolo et al., 2002) e para farelo de algodão: 3076,82 kcal/kg (Souza e Hayashi, 2003).
3
Baseados nos valores de proteína digestível para tilápia do Nilo propostos para o milho: 7,18; para o farelo de soja: 42,19 (Boscolo et al., 2002) e para o farelo de algodão: 35,77% (Souza e Hayashi, 2003).

Para análise de percentagem de proteína e gordura na carcaça e determinação da matéria seca, os peixes foram secos em estufa de ventilação forçada 55ºC por 72 horas, depois moídos em moinho tipo bola e analisados conforme Silva (1990).

O modelo estatístico utilizado para as análises das variáveis estudadas foi:

Yij = b0 + b1(hi - h) + b2(hi - h)2 + eij

Donde:

Yij = observação referente ao tanque j onde se utilizou o nível de inclusão i;

b0 = constante geral;

b1 = coeficiente linear de regressão da variável Y em função do nível de inclusão i;

b2 = coeficiente quadrático de regressão da variável Y em função do nível de inclusão i;

hi = nível de inclusão i;

h = média dos níveis de inclusão;

eij = erro aleatório associado a cada observação Yij.

As médias das variáveis em cada nível de substituição da proteína do farelo de soja pela proteína do farelo de algodão em relação ao controle, foram comparadas usando-se o teste de Dunnet a 5% de probabilidade de acordo com Banzatto e Kronka (1989). O nível zero de substituição não foi incluído na análise de regressão através do programa estatístico SAEG - Sistema de Análises Estatísticas e Genética (UFV, 1997).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os valores médios de temperatura, oxigênio dissolvido, condutividade e pH durante o período experimental foram de 25,97 ± 0,34ºC; 4,70 ± 0,76mg/L; 190,80 ± 21,29 m S/cm e 7,61 ± 0,15, respectivamente, permanecendo dentro da faixa recomendada para a aqüicultura (Egna & Boyd, 1997).

A Tabela 3 apresenta os valores médios de desempenho dos alevinos de tilápia do Nilo ao final do período experimental.

Tabela 3. Desempenho de alevinos de tilápia do Nilo alimentados com diferentes níveis de inclusão do farelo de algodão com a correção de fibra e aminoácidos.


Parâmetros

Níveis de inclusão do farelo de algodão (%)


0 20 40 60 80 CV%

Peso inicial (g)

0,37

0,37

0,37

0,36

0,37

2,02

Ganho de peso (g)1

4,79

5,41

3,62

2,17*

1,65*

21,34

Conversão alimentar2

1,89

1,70

2,17

2,96*

3,15*

12,03

Taxa de eficiência protéica, (%)3

1,80

1,99

1,56

1,14*

1,06*

13,54

Sobrevivência (%)

90,00

88,00

94,00

90,00

96,00

7,29


* Valores na mesma linha diferem (P<0,05) pelo teste de Dunnet.
1 Y=6,39119 – 0,063583X; R2 = 0,95
2
Y=1,20709 + 0,025742X; R2 = 0,96
3
Y=2,24712 – 0,016134X; R2 = 0,93

O ganho de peso (GP) apresentou uma diminuição linear à medida em que o farelo de algodão foi incluído na ração, porém não foi observado diferença (P>0,05) entre o tratamento controle e os tratamentos com 20 e 40% de inclusão. Resultado semelhante ao do presente trabalho foi obtido por Mbahinzireki et al. (2000) que concluíram que o farelo de algodão pode substituir a farinha de peixe em até 50% na alimentação para tilápia e concluíram que a presença do gossipol foi o principal fator limitante para a aceitação e utilização do farelo de algodão. Por outro lado, Ofojekwu & Ejike (1984) utilizaram, para tilápia, níveis de 16,4 e 19,6% de inclusão de torta de algodão onde substituíram 100% da farinha de peixe e observaram depressão no crescimento em ambos os níveis. Já Robinson et al. (1984) não observaram nenhuma diferença significativa no crescimento de alevinos de tilápia alimentados com dietas contendo 0,1 ou 0,2% de gossipol. El-Sayed (1990) utilizou, para tilápia do Nilo, dietas com 30% de proteína bruta e inclusão de 65-80% de farelo de algodão e verificou que houve depressão significativa na taxa de crescimento dos animais; observou também que a suplementação com L-lisina não melhorou a qualidade nutricional do farelo de algodão.

Trabalhando com alevinos de carpa (Cyprinus carpio, L.), Barros et al. (1995) observaram que 24% de substituição da farinha de peixe pelo farelo de algodão resultaram em maior ganho de peso. Galdioli et al. (2001) utilizaram dietas com 50 e 100% de substituição do farelo de soja para alevinos de piavuçu (Leporinus macrocephalus) e verificaram que quando a substituição foi de 50%, não houve diferença no peso final médio, já com a substituição de 100% a diferença foi significativa.

A conversão alimentar (CA) apresentou uma piora linear com o aumento do farelo de algodão na ração, porém não houve diferença significativa (P>0,05) entre o tratamento controle e os tratamentos com 20 e 40% de inclusão de farelo de algodão. Mbahinzireki et al. (2000) também observavam piora na conversão quando utilizaram mais de 50% de substituição na alimentação de juvenis de tilápia de Nilo. Robinson et al. (1984) não observaram nenhuma diferença significativa na conversão alimentar de alevinos de tilápia alimentadas com dietas contendo 0,1 ou 0,2% de gossipol. Trabalhando com alevinos de piavuçu (Leporinus macrocephalus) Galdioli et al. (2001) observaram que não houve diferença na conversão alimentar quando utilizaram ração com 50% de farelo de algodão, porém, o mesmo não aconteceu quando a ração continha 100% de farelo de algodão.

A taxa de eficiência protéica (TEP) apresentou declínio linear à medida que se aumentava a inclusão de farelo de algodão na ração, e assim como para GP e CA, não houve diferença significativa (P>0,05) entre o tratamento controle e os tratamentos com 20 e 40% de inclusão. Resultado similar foi obtido por Galdioli et al. (2001) que observaram não haver redução na taxa de eficiência protéica quando utilizaram 50% de substituição do farelo de soja pelo farelo de algodão na alimentação de alevinos de piavuçu (Leporinus macrocephalus), porém quando a substituição foi de 100% a redução foi significativa.

A taxa de sobrevivência (SO) dos animais não foi afetada pelos diferentes níveis de inclusão do farelo de algodão. Estes resultados estão de acordo com os de Souza et al. (2000) que trabalharam com larvas de tilápia do Nilo, durante a reversão sexual e Galdioli et al. (2001) quando avaliaram o desempenho de alevinos de piavuçu.

Considerando que o efeito da fibra bruta e a deficiência de aminoácidos foram corrigidos, podemos atribuir a queda apresentada no desempenho dos peixes que receberam rações com mais de 40% de farelo de algodão ao gossipol, pigmento natural presente na semente do algodão que se liga aos aminoácidos do alimento, indisponibilizando-os, principalmente a lisina (Martin, 1990); interfere na utilização de elementos minerais, formando complexos estáveis com cátions, como o Fe+, podendo produzir anemia. Combina-se, através de seus grupos carbonila com proteínas e aminoácidos, sendo o principal fator da toxicidade e de seu efeito acumulativo (Abou-Donia et al., 1970); causa anormalidades nas organelas celulares, interfere nos processos bioquímicos e inibe a atividade de várias enzimas (Beaudoin, 1985).

A Tabela 4 apresenta as características de carcaça de alevinos de tilápia do Nilo alimentados com diferentes níveis de inclusão de farelo de algodão com a correção de fibra e aminoácidos. Estas análises são de grande valia quando estamos avaliando alimentos para peixes uma vez que as características de carcaça como proteína, gordura e índice hepato-somático, podem indicar um possível desbalanço nutricional da ração testada ou ainda a presença de fatores antinutricionais nos alimentos avaliados (Boscolo et al., 2002).

Tabela 4. Características de carcaça de alevinos de tilápia do Nilo alimentados com diferentes níveis de inclusão de farelo de algodão com a correção de fibra e aminoácidos.


Parâmetros

Níveis de inclusão do farelo de algodão (%)


0 20 40 60 80 CV(%)

Matéria seca (%)

22,55

21,88

22,58

21,71

20,95

6,42

Proteína na carcaça MN(%)

16,10

15,89

16,27

15,65

15,42

6,31

Gordura na carcaça MN(%)

5,21

5,03

5,58

5,47

5,80

13,19

Índice hepato-somático1

1,25

1,50

1.75

1,88*

1,98*

19,39

Fator de Condição

2,12

1,89

2,16

1,75

1,82

21,07


* Valores na mesma linha diferem (P<0,05) pelo teste de Dunnet.
1
Y=1,38222 - 0,007913X; R2 = 0,96.

O índice hepato-somático (IHS) sofreu aumento linear na medida em que aumentaram os níveis de inclusão de farelo de algodão, porém não houve diferença significativa (P>0,05) entre o tratamento controle e os com 20 e 40% de inclusão. Mbahinzireli et al. (2000) utilizaram dietas contendo 25, 50, 75 e 100% de farelo de algodão e concentrações de gossipol total variando de 0,11 a 0,44% e também observaram aumento proporcional no peso do fígado dos peixes.

A matéria seca (MS), proteína da carcaça (PC), gordura da carcaça (GC) e o fator de condição (FC) encontrados neste estudo, não apresentaram diferenças (P>0,05) significativas entre os diferentes tratamentos. Este resultado pode estar relacionado com o fato de que a suplementação com aminoácidos sintéticos corrigiu em parte a indisponibilidade da lisina provocada pela presença do gossipol.

No momento do abate, os fígados dos animais que receberam o tratamento controle apresentaram coloração rósea, mantendo-se dentro dos padrões de normalidade; porém, quando o tratamento continha 20% ou mais de inclusão (0,0011% de gossipol), a coloração do fígado alterou-se, variando do tom de rosa pálido até o amarelado para o tratamento com 80% de farelo de algodão. Herman (1970) observou degeneração gordurosa do fígado de truta arco-iris quando alimentadas com dieta contendo 0,1% de gossipol além de observar depressão no crescimento e mortalidade elevada.

Este experimento foi muito importante, pois permitiu avaliar o desempenho dos alevinos de tilápia do Nilo alimentados com uma fonte protéica alternativa e de menor custo quando comparada ao farelo de soja. Os resultados aqui obtidos poderão servir de base para a formulação de rações para peixes com farelo de algodão, uma vez que em níveis adequados este ingrediente poderá ser utilizado sem prejudicar o desempenho dos animais.

CONCLUSÕES

O farelo de algodão pode influenciar de forma negativa o desempenho dos alevinos de tilápia do Nilo. Porém, os resultados mostram que quando é feita a suplementação com aminoácidos sintéticos, é possível a inclusão de até 40% sem afetar de forma significativa o desempenho dos animais nesta fase de desenvolvimento.

Valuation of cottonseed meal in food of Nile tilapia (Oreochromis niloticus, L.) fingerlings

SUMMARY

The experiment was carried out with the objective of evaluating the Nile tilapia fingerlings performance under different levels of cottonseed meal (CM) inclusion (0, 20, 40, 60 and 80%) with fiber and aminoacids correction. The experiment was carried out in the Laboratório de Aquicultura da Universidade Estadual de Maringá. Two hundred fifty fingerlings were used with an initial medium weight of 0.35 ± 0.07g, medium initial length of 2.95 ± 0.20cm, and an approximated age of 35 days. Fingerlings were divided in 25 tanks of 250 lt, in a completely randomized design with five treatments and five replications. The evaluated variables were weight gain (WG), feed gain (FG) , protein efficiency rate (PER), survival (S), hepatic-somatic index (HSI), condition factor (CF), protein in the carcass (PC), and fat in the carcass (FP). The WG and PER presented a linear decrease when the CM was included in the ration, as well FG and HSI. The S, DM, FC and CF did not show significant differences (P>0.05) among the treatments. It was concluded that cottonseed meal influenced in a negative way the fingerlings performance when the rations were supplemented with synthetic aminoacids.

Key words: cotton meal, Nile tilapia, Oreochromis niloticus, performance.

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Zootecnia Tropical > Sumario de la Colección > Volumen 21